segunda-feira, janeiro 18, 2010

Escuta, Zé Ninguém


Escuta, Zé-ninguém: já há muito que andava para te dizer umas coisas. Mas tu só dás ouvidos aos grandes, gostas de te sentir submisso. Afinal, o que farias se te visses livre? És um pobre coitado, medroso, cobarde, ignorante e naturalmente deprimido. Desprezas-te a ti e aos outros, meu enfermo maldito.

E se te interrogo, respondes-me: «mas que posso eu fazer?». És assim e não queres ser diferente. Aliás, a mudança arrepia-te e perturba-te a segurança medíocre que cuidadosamente alimentas dia após dia. Meu desgraçado, quem és tu para teres direito a opinião própria? Em casa dás pancada na mulher e nos filhos, na taberna embebedas-te como um porco e ainda te restam forças para conspirares contra mim! Que hei-de fazer, meu grande malandro? Não tens onde cair morto nem vivo. Cultivas a tacanhez, a cobiça e a inveja como um jardineiro planta as ervas daninhas no seu próprio jardim. És assim porque queres, meu grande cão. Enquanto queimas criaturas em fornalhas contínuas a responder-me: «mas que posso eu fazer?». Não percebes, meu aldrabãozeco, que todos os grandes pecados da humanidade começam nos pequenos actos tolos que cometes no teu dia-a-dia!? Sim, Zé Ninguém, tu mesmo, estou a falar contigo. Chamas-me utópico e intelectualzinho de merda enquanto tu vives na miséria, matas a própria esperança e a dos teus filhos e ainda berras «Vivas». Ao sábio chamas larápio e gritas: «Agarra que é judeu, agarra que é preto, agarra que é marroquino». Gritas porque tens medo, meu energúmeno narcísico. Pensas sempre na satisfação dos teus pequeninos prazeres e nunca no bem geral.

És assim, Zé Ninguém. «Que posso eu fazer?». Preferes a tasca a uma biblioteca, a televisão a uma passeio com os teus filhos, a jogatina a uma noite de amor com a tua mulher. És incapaz de criar, de dar sem receber e vais sobrevivendo com a parcelazeca do teu quinhão de ouro. Sofres de peste mental, meu ladrãozeco de queixumes: «Ai que me dói uma perna, aí que me dói uma unha, aí que estou tão mal, aí que ninguém sofre tanto como eu, mas que hei-de eu fazer?». És assim, Zé Ninguém. Veneras os teus inimigos e matas os teus amigos. Mas afinal, porque desistes dos teus sonhos Zé Ninguém? Ah animal, soubesse eu calar a tua voz interior de uma vez por todas!


Wilhelm Reich, 1974

Sem comentários: