terça-feira, fevereiro 23, 2010

Sonho Exausto


Todos os dias me descubro
personagem de uma fábula
de sílabas e barcos,
entrançando as veias
no joelho da terra
como urzes incensadas no vento.

É quase eterna a raiz,
do corpo ou do mundo,
no tom húmido que agasalha
a semente, quando a erva cortada
se respira no sonho exausto
das árvores disponíveis.

Rodopio no emaranhado das sombras
que tocam os meus pés
e sobrevoo o chão movediço
que brilha nos meus olhos
como uma âncora ou um abraço.

Há um voo incerto na fita negra
enroscada, ao nascer, nos meus cabelos.

Pela vertente da tarde
deixo rolar as emoções,
desmedidamente,
como quem desvenda
os ângulos do improviso,
até à mutação perfeita da tristeza.

Presos ao lugar de nascer
não seremos os mesmos,
porque o grito das nuvens
há-de derreter o barro
que nos prende,
ou transformará em granito
o prolongamento do silêncio.

Conheço o oblíquo movimento dos pássaros
no pulsar perturbado do meu corpo,
quando é de musgo a periferia de um bosque.

Porque sou a significação extraviada do poema
é que os meus olhos se acendem na fragilidade.


Graça Pires

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