quarta-feira, maio 05, 2010

O vagabundo do dharma



Alto alto no cimo do monte
De todos os lados o ilimitado extremo

Sozinho medito sem ninguém saber
A lua solitária ilumina a fonte fria

No meio da fonte agora não há lua
A própria lua está no céu azul

Recito baixinho a melodia deste canto
Este canto finalmente não é zen


* * *


Vós olhais as flores no meio das folhas:
Quanto tempo de bom podem elas ter?

Hoje temem que alguém as colha
Amanhã aguardam que alguém as varra

Cativantes os entusiasmos do coração
Após vários anos envelhecem

Comparado com o mundo das flores
O fulgor do vermelho como o conservar?



Traduções: Ana Hatherly
Do livro O vagabundo do dharma: 25 poemas de Han-Shan
Cavalo de Ferro, 2003

POEMA PARA SER LIDO E CANTADO




Sei que há uma pessoa
que, dia e noite, me busca em sua mão,
encontrando-me, a cada minuto, em seu calçado.
Ignora que a noite está enterrada
atrás da cozinha com esporas?

Sei que há uma pessoa composta de minhas partes,
que eu completo sempre que o meu vulto
cavalga sua exacta pedrazinha.
Ignora que ao seu cofre
não voltará nenhuma moeda que saiu com seu retrato?

Sei o dia,
mas o sol escapou-me;
sei o acto universal que fez na cama
com alheia coragem e essa água morna, cuja
superficial frequência é uma mina.
Tão pequena é, acaso, essa pessoa
que até seus próprios pés assim a pisam?

Um gato é a fronteira entre eu e ela,
mesmo ao lado de sua malga de água.
Vejo-a pelas esquinas, abre e fecha
sua veste, antes palmeira interrogante...
que poderá fazer senão mudar de pranto?

Mas ela busca-me, busca-me. É uma história!

 
César Vallejo