terça-feira, outubro 26, 2010

Hymne au soleil



Hymne au soleil

À André Borel.

Pauvre bougre !
JULES JANIN.

Là dans ce sentier creux, promenoir solitaire
De mon clandestin mal,
Je viens tout souffreteux, et je me couche à terre
Comme un brute animal.
Je viens couver ma faim, la tête sur la pierre,
Appeler le sommeil.
Pour étancher un peu ma brûlante paupière ;
Je viens user mon écot de soleil !

Là-bas dans la cité, l'avarice sordide
Des chefs sur tout champart :
Au mouton-peuple on vend le soleil et le vide ;
J'ai payé, j'ai ma part !
Mais sur tous, tous égaux devant toi, soleil juste,
Tu verses tes rayons,
Qui ne sont pas plus doux au front d'un Sire auguste,
Qu'au sale front d'une gueuse en haillons.

Petrus BOREL (1809-1859)

quarta-feira, outubro 13, 2010

Nicholas Roerich paintings - Abode of Light.

El Gabinete en Teatro de la Ciudad (3/6)

Misère

Picasso


La faim mit au tombeau Malfilâtre ignoré.

GILBERT.

À mon air enjoué, mon rire sur la lèvre,
Vous me croyez heureux, doux, azyme et sans fièvre,
Vivant, au jour le jour, sans nulle ambition,
Ignorant le remords, vierge d'affliction ;
À travers les parois d'une haute poitrine,
Voit-on le coeur qui sèche et le feu qui le mine ?
Dans une lampe sourde on ne saurait puiser
Il faut, comme le coeur, l'ouvrir ou la briser.

Aux bourreaux, pauvre André, quand tu portais ta tête,
De rage tu frappais ton front sur la charrette,
N'ayant pas assez fait pour l'immortalité,
Pour ton pays, sa gloire et pour sa liberté.
Que de fois, sur le roc qui borde cette vie,
Ai-je frappé du pied, heurté du front d'envie,
Criant contre le ciel mes longs tourments soufferts
Je sentais ma puissance, et je sentais des fers !

Puissance,... fers,... quoi donc ? - rien, encore un poète
Qui ferait du divin, mais sa muse est muette,
Sa puissance est aux fers. - Allons ! on ne croit plus,
En ce siècle voyant, qu'aux talents révolus.
Travaille, on ne croit plus aux futures merveilles. -
Travaille !... Eh ! le besoin qui me hurle aux oreilles,
Étouffant tout penser qui se dresse en mon sein !
Aux accords de mon luth que répondre ?... j'ai faim !...


Petrus Borel

Público - A saúde mental dos portugueses

Público - A saúde mental dos portugueses

A saúde mental dos portugueses
(Transcrição do artigo do médico psiquiatra Pedro Afonso, publicado no Público, 2010-06-21)


Alguns dedicam-se obsessivamente aos números e às estatísticas esquecendo que a sociedade é feita de pessoas.

Recentemente, ficámos a saber, através do primeiro estudo epidemiológico nacional de Saúde Mental, que Portugal é o país da Europa com a maior prevalência de doenças mentais na população. No último ano, um em cada cinco portugueses sofreu de uma doença psiquiátrica (23%) e quase metade (43%) já teve uma destas perturbações durante a vida.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque assisto com impotência a uma sociedade perturbada e doente em que violência, urdida nos jogos e na televisão, faz parte da ração diária das crianças e adolescentes. Neste redil de insanidade, vejo jovens infantilizados incapazes de construírem um projecto de vida, escravos dos seus insaciáveis desejos e adulados por pais que satisfazem todos os seus caprichos, expiando uma culpa muitas vezes imaginária. Na escola, estes jovens adquiriram um estatuto de semideus, pois todos terão de fazer um esforço sobrenatural para lhes imprimirem a vontade de adquirir conhecimentos, ainda que estes não o desejem. É natural que assim seja, dado que a actual sociedade os inebria de direitos, criando-lhes a ilusão absurda de que podem ser mestres de si próprios.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque, nos últimos quinze anos, o divórcio quintuplicou, alcançando 60 divórcios por cada 100 casamentos (dados de 2008). As crises conjugais são também um reflexo das crises sociais. Se não houver vínculos estáveis entre seres humanos não existe uma sociedade forte, capaz de criar empresas sólidas e fomentar a prosperidade. Enquanto o legislador se entretém maquinalmente a produzir leis que entronizam o divórcio sem culpa, deparo-me com mulheres compungidas, reféns do estado de alma dos ex-cônjuges para lhes garantirem o pagamento da miserável pensão de alimentos.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque se torna cada vez mais difícil, para quem tem filhos, conciliar o trabalho e a família. Nas empresas, os directores insanos consideram que a presença prolongada no trabalho é sinónimo de maior compromisso e produtividade. Portanto é fácil perceber que, para quem perde cerca de três horas nas deslocações diárias entre o trabalho, a escola e a casa, seja difícil ter tempo para os filhos. Recordo o rosto de uma mãe marejado de lágrimas e com o coração dilacerado por andar tão cansada que quase se tornou impossível brincar com o seu filho de três anos.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque a taxa de desemprego em Portugal afecta mais de meio milhão de cidadãos. Tenho presenciado muitos casos de homens e mulheres que, humilhados pela falta de trabalho, se sentem rendidos e impotentes perante a maldição da pobreza. Observo as suas mãos, calejadas pelo trabalho manual, tornadas inúteis, segurando um papel encardido da Segurança Social.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque é difícil aceitar que alguém sobreviva dignamente com pouco mais de 600 euros por mês, enquanto outros, sem mérito e trabalho, se dedicam impunemente à actividade da pilhagem do erário público. Fito com assombro e complacência os olhos de revolta daqueles que estão cansados de escutar repetidamente que é necessário fazer mais sacrifícios quando já há muito foram dizimados pela praga da miséria.

Finalmente, interessa-me a saúde mental de alguns portugueses com responsabilidades governativas porque se dedicam obsessivamente aos números e às estatísticas esquecendo que a sociedade é feita de pessoas. Entretanto, com a sua displicência e inépcia, construíram um mecanismo oleado que vai inexoravelmente triturando as mentes sãs de um povo, criando condições sociais que favorecem uma decadência neuronal colectiva, multiplicando, deste modo, as doenças mentais.

E hesito em prescrever antidepressivos e ansiolíticos a quem tem o estômago vazio e a cabeça cheia de promessas de uma justiça que se há-de concretizar; e luto contra o demónio do desespero, mas sinto uma inquietação culposa diante destes rostos que me visitam diariamente.

Pedro Afonso
Médico psiquiatra