quinta-feira, abril 21, 2011

The Place



The place may be clean and tidy
and have for furniture only a mat
if there are windows if they are large
so much the better if there’s a flower
or a picture that’s special
if there is a teacher
there may be respite from sorrow
if there is rain remember the occasion
of the double rainbow if there is a marriage
there may be need of a goat
about beauty the old ones could not have forseen
if there is love
think on these things honey nuts and olives
if they are taken from nature
there will be nothing to behold
nor an eye
a poet will have to sing
of the ineffable as true
to begin with


From A Palace of Pearls (Copper Canyon Press, 2005), by Jane Miller.

Pic by rwangsa

domingo, abril 10, 2011

Tu que me deste o teu cuidado





TU QUE ME DESTE O TEU CUIDADO...

Tu que me deste o teu carinho
E que me deste o teu cuidado,
Acolhe ao peito, como o ninho
Acolhe ao pássaro cansado,
O meu desejo incontentado.

Há longos anos ele arqueja
Em aflitiva escuridão.
Sê compassiva e benfazeja.
Dá-lhe o melhor que ele deseja:
Teu grave e meigo coração.

Sê compassiva. Se algum dia
Te vier do pobre agravo e mágoa,
Atende à sua dor sombria:
Perdoa o mal que desvaria
E traz os olhos rasos de água.

Não te retires ofendida.
Pensa que nesse grito vem
O mal de toda a sua vida:
Ternura inquieta e malferida
Que, antes, não dei nunca a ninguém.

E foi melhor nunca ter dado:
Em te pungido algum espinho,
Cinge-a ao teu peito angustiado.
E sentirás o meu carinho.
E setirás o meu cuidado. 



Manuel Bandeira

The One Straw Revolution by Masanobu Fukuoka

The crisis is over... Be positive, keep on sleeping

;O)

A short movie inspired on numbers, geometry and nature

A SHORT MOVIE INSPIRED ON NUMBERS, GEOMETRY AND NATURE

sábado, abril 09, 2011

monoblue quartet - 6. lover

Laisser faire, laisser passer



1.
o neoliberal
neolibera:
de tanto neoliberar
o neoliberal
neolibera-se de neoliberar
tudo aquilo que não seja neo (leo)
libérrimo:
o livre quinhão do leão
neolibera a corvéia da ovelha

2.
o neoliberal
neolibera
o que neoliberar
para os não-neoliberados:
o labéu?
o libelo?
a libré do lacaio?
a argola do galé?
o ventre-livre?
a bóia-rala?
o prato raso?
a comunhão do atraso?
a ex-comunhão dos ex-clusos?
o amanhã sem fé?
o café requentado?
a queda em parafuso?
o pé de chinelo?
o pé no chão?
o bicho de pé?
a ração da ralé?

3.
no céu neon
do neoliberal
anjos-yuppies
bochechas cor-de-bife
privatizam
a rosácea do paraíso
de dante
enquanto lancham
fast-food
e super
(visionários) visam
com olho magnânimo
as bandas
(flutuantes)
do câmbio:
enquanto o não
- neoliberado
come pão
com salame
(quando come)
ele dorme
sonhando
com torneiras de ouro
e a hidrobanheira cor
de âmbar
de sua neo-
mansão em miami

4.
o centro e a direita
(des)conversam
sobre o social
(questão de polícia):
o desemprego um mal
conjuntural
(conjetural)
pois no céu da estatís-
tica o futuro
se decide pela lei
dos grandes números

5.
o neoliberal
sonha um mundo higiênico:
um ecúmeno de ecônomos
de economistas e atuários
de jogadores na bolsa
de gerentes
de supermercado
de capitães de indústria
e latifundários de
banqueiros
- banquiplenos ou
banquirrotos
(que importa?
dede que circule
autoregulante
o necessário
plusvalioso
numerário)
um mundo executivo
de mega-empresários
duros e puros
mós sem dó
mais atento ao lucro
que ao salário
solitários (no câncer)
antes que solidários:
um mundo onde deus
não jogue dados
e onde tudo dure para sempre
e sempremente nada mude
um confortável
estável
confiável
mundo contábil.

6.
(a
contramundo o mundo-não -mundo cão-
dos deserdados:
o anti-higiênico
gueto dos
sem-saída
dos excluídos pelo
deus-sistema
cana esmagada
pela moenda
pela roda dentada
dos enjeitados:
um mundo-pêsames
de pequenos
cidadãos-menos
de gente-gado
de civis
sub-servis
de povo-ônus
que não tem lugar marcado
no campo do possível
da economia de mercado
(onde mercúrio serve ao deus
mamonas)

7.
o neoliberal
sonha um admirável
mundo fixo
de argentários e multinacionais
terratenentes terrapotentes
coronéis políticos
milenaristas (cooptados) do
perpétuo
status quo:
um mundo privé
palácio de cristal
à prova de balas:
bunker blau
durando para sempre - festa
estática
(ainda que sustente sobre fictas
palafitas
e estas sobre uma lata
de lixo)

Haroldo de Campos

Fragmentos





1
Me quer ? Não me quer ? As mãos torcidas
os dedos
               despedaçados um a um extraio
assim tira a sorte enquanto
                                       no ar de maio
caem as pétalas das margaridas
Que a tesoura e a navalha revelem as cãs e
que a prata dos anos tinja seu perdão
                                                      penso
e espero que eu jamais alcance
a impudente idade do bom senso



2
Passa da uma 
                     você deve estar na cama
Você talvez
                 sinta o mesmo no seu quarto
Não tenho pressa
                          Para que acordar-te
com o
         relâmpago
                        de mais um telegrama



3
O mar se vai
o mar de sono se esvai
Como se diz: o caso está enterrado
a canoa do amor se quebrou no quotidiano
Estamos quites
Inútil o apanhado
da mútua dor mútua quota de dano



4
Passa de uma você deve estar na cama
À noite a Via Láctea é um Oka de prata
Não tenho pressa para que acordar-te
com relâmpago de mais um telegrama
como se diz o caso está enterrado
a canoa do amor se quebrou no quotidiano
Estamos quites inútil o apanhado
da mútua do mútua quota de dano
Vê como tudo agora emudeceu
Que tributo de estrelas a noite impôs ao céu
em horas como esta eu me ergo e converso
com os séculos a história do universo



5
Sei o puldo das palavras a sirene das palavras
Não as que se aplaudem do alto dos teatros
Mas as que arrancam caixões da treva
e os põem a caminhar quadrúpedes de cedro
Às vezes as relegam inauditas inéditas
Mas a palavra galopa com a cilha tensa
ressoa os séculos e os trens rastejam
para lamber as mãos calosas da poesia
Sei o pulso das palavras parecem fumaça
Pétalas caídas sob o calcanhar da dança
Mas o homem com lábios alma carca
ça.



Vladimir Maiakóvski
tradução de  Augusto Campos

Reportagem



Aborrecido, passeio
Pelas ruas da cidade.
Deixei agora o Rossio
E atravesso o Borratém.
Deu meia-noite pausada
No Carmo. Um amigo meu
Passa e tira-me o chapéu.
Paro a uma esquina. Esmoreço
Numa saudade que surge
Dentro de mim não sei como:
Uma saudade infinita,
Misto de choro e revolta.
Alguém me chama no escuro:
Volto a cabeça. A uma porta
Um vulto mexe. - Sou eu!,
Não fuja, sou eu... - Mas quem?
Retrocedo, não conheço
A mulher que me chamou.
Na verdade ninguém ouve,
Ninguém distingue o apelo
Do amor que anda perdido
No mistério de mentir:
Deixo-a ficar onde estava;
Dou-lhe um cigarro e um sorriso
Dizendo que vou dormir.
Atira-me boa-noite
Num frio olhar de ofendida.
Meto à rua do Amparo
A perguntar se esta vida
Não terá finalidade
Menos sórdida e banal?
Atafonas. Uma Igreja.
Mais acima o Hospital.
Um marinheiro propõe
A esta que atravessou
A rua do Benformoso
Irem tomar qualquer coisa
Na Leitaria da Guia.
Ela pára. É uma catraia
Que talvez não tenha ainda
Dezasseis anos. Bonita.
Devagar vou-me chegando
Xaile, uma blusa, uma saia...
E oiço a fala dos dois.
Ele parece uma onda,
Impetuoso, alagante.
Ela é um breve bandó
Num corpito provocante.
E seguem... Ele, encostado,
Muito encostado e aquecido
Lá vai como se encontrasse
Um objecto perdido
Que foi milagre encontrá-lo...
Cortaram além!... E param?
Oiço o rebate de um estalo
E um grito subtil de prece
Amedrontada na fuga...
Desço ao Marquês do Alegrete.
Um candeeiro sinistro
Numa casa que se aluga...
Vejo um polícia. Arrefece.
Um grupo de três sujeitos
Discute o vinho de Torres.
Varrem as ruas. Um gato
Bebe água numa sarjeta;
Uma carroça parou
Carregada de hortaliça
Junto à Praça da Figueira.
Corto a rua dos Fanqueiros
Já um pouco estropiado...
Acendo um cigarro. A noite
Lembra um fantasma assustado...
Chego ao Terreiro do Paço.
O arco da rua Augusta
Parece mais imponente
Na minha desolação...
Vou até ao cais. Em baixo
O rio bate sem reacção...
A maré vasa. No céu,
Vão-se apagando as estrelas.
Um guarda-fiscal dormita
Na guarita, mas de pé.
Um velhote com um cesto
E uma lata vem dizer-me
Se eu quero beber café.
Num banco de pedra. Cismo.
E ali me fico a cismar
Em coisa nenhuma... O dia
Principia a querer ser
Mais um passo na incerteza
Das nossas aspirações...
As águas do rio a escutar
Parecem adormecidas...
E o dia nasce! Vem triste,
Nublado, fosco, cinzento,
Enquanto pela cidade
A vida acorda e desata
O matinal movimento...



António Botto
Photo by Gatumudo

John Cage - Prelude for Meditation

sexta-feira, abril 08, 2011

The Lovers



One is upstairs typing,
the other downstairs

reading, two lovers

separated by a single floor.
A simple sentence.

The closest they will get

is in that moment
when one stops the way

the other also stops,

exchanging places
with each other

without ever getting up—

Timothy Liu is the author of eight books of poems, most recently Polytheogamy and Bending the Mind Around the Dream’s Blown Fuse.

in Zócalo Public Square
photo by aless&ro