terça-feira, dezembro 14, 2010

Para os meus amigos



Um dia a maioria de nós irá separar-se.
Sentiremos saudades de todas as conversas atiradas fora,
das descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos,
dos tantos risos e momentos que partilhámos.

Saudades até dos momentos de lágrimas, da angústia, das
vésperas dos fins-de-semana, dos finais de ano, enfim...
do companheirismo vivido.

Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre.

Hoje já não tenho tanta certeza disso.
Em breve cada um vai para seu lado, seja
pelo destino ou por algum
desentendimento, segue a sua vida.

Talvez continuemos a encontrar-nos, quem sabe... nas cartas
que trocaremos.
Podemos falar ao telefone e dizer algumas tolices...
Aí, os dias vão passar, meses... anos... até este contacto
se tornar cada vez mais raro.

Vamo-nos perder no tempo...

Um dia os nossos filhos verão as nossas fotografias e
perguntarão:
Quem são aquelas pessoas?
Diremos... que eram nossos amigos e... isso vai doer tanto!

- Foram meus amigos, foi com eles que vivi tantos bons
anos da minha vida!
A saudade vai apertar bem dentro do peito.
Vai dar vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente...

Quando o nosso grupo estiver incompleto...
reunir-nos-emos para um último adeus a um amigo.
E, entre lágrimas, abraçar-nos-emos.
Então, faremos promessas de nos encontrarmos mais vezes
daquele dia em diante.

Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver a
sua vida isolada do passado.
E perder-nos-emos no tempo...

Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo: não
deixes que a vida
passe em branco, e que pequenas adversidades sejam a causa de
grandes tempestades...

Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem
morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem
todos os meus amigos!


Fernando Pessoa

sexta-feira, dezembro 03, 2010

Andava a lua nos céus




Andava a lua nos céus
Com o seu bando de estrelas

Na minha alcova
Ardiam velas
Em candelabros de bronze

Pelo chão em desalinho
Os veludos pareciam
Ondas de sangue e ondas de vinho

Ele, olhava-me cismando;
E eu,
Plácidamente, fumava,
Vendo a lua branca e nua
Que pelos céus caminhava.

Aproximou-se; e em delírio
Procurou avidamente
E avidamente beijou
A minha boca de cravo

Que a beijar se recusou.

Arrastou-me para ele,
E encostado ao meu hombro
Falou-me de um pagem loiro
Que morrera de saudade
À beira-mar, a cantar...

Olhei o céu!

Agora, a lua, fugia,
Entre nuvens que tornavam
A linda noite sombria.

Deram-se as bocas num beijo,
Um beijo nervoso e lento...
O homem cede ao desejo
Como a nuvem cede ao vento

Vinha longe a madrugada.

Por fim,
Largando esse corpo
Que adormecera cansado
E que eu beijara, loucamente,
Sem sentir,
Bebia vinho, perdidamente
Bebia vinha..., até cair.


António Botto
Aves de Um Parque Real
As Canções de António Botto
1999

quinta-feira, dezembro 02, 2010

Where is my man




Nunca te tenho tanto como quando te busco
sabendo de antemão que não consigo encontrar-te.

Só então consinto estar apaixonada.

Só então me perco na selva esmaltada
de carros ou carrosséis, cafés abarrotados,
luas de montras, labirintos de parques
ou de espelhos, correndo atrás de tudo
o que se parece contigo.

Estou sempre à espreita.

O alcatrão derrete na rua,
este movente estampado
de camisas e pólos, cujas cores comparo
ao azul celeste ou ao verde malaquita
que por teu peito eu abria.

Deliciosa angústia se julgo reconhecer-te
me faz desmaiar, minha pele toda a nomear-te,
alerta, pendente de meus olhos.

Minha vista indaga, como é fácil de ver,
qualquer indício que me leve a ti,
que te meta no meio onde só tua imagem
prevalece e se te ajuste e funda,
te achegue, te inaugure e estejas para sempre.


Ana Rossetti

Eu ontem vi-te...




Eu ontem vi-te

Andava a luz
do teu olhar,
que me seduz,
a divagar
em torno de mim.

E então pedi-te,
não que me olhasses,
mas que afastasses,
um poucochinho,
do meu caminho,
um tal fulgor.

De medo, amor,
que me cegasse,
me deslumbrasse
fulgor assim.



Ângelo de Lima