Comecei a escrever sobre a dúvida, mas mesmo ao fazê-lo, sinto-me assaltado pela "dúvida" se qualquer quantidade de escritos ou de outra coisa poderá algum dia persuadir a eterna dúvida no homem, que é a penalidade de sua ignorância natural. Em primeiro lugar, escrever adequadamente, significaria algo de 60 a 600 páginas, mas nem mesmo 6.000 páginas convincentes convenceriam a dúvida. Porque a dúvida existe por si mesma; sua verdadeira função é duvidar sempre e, mesmo quando convencida, continuar ainda duvidando. É apenas para persuadir aquele que a alimenta a lhe dar casa e comida que ela pretende ser uma honesta pesquisadora da verdade. Esta é uma lição que aprendi com a experiência, tanto de minha própria mente como a dos outros; o único meio de se livrar da dúvida é tomar a discriminação como o próprio detector da verdade e falsidade e, sob sua guarda, abrir a portalivre e corajosamente à experiência.
Não obstante, comecei a escrever, mas não principiei pela dúvida, mas pela procura de Deus como uma certeza concreta, tão concreta como qualquer dos fenómenos físicos captados pelos sentidos. Ora, de certo o Divino deve ser tal certeza, não apenas tão concreta, mas mais concreta do que qualquer coisa percebida pelo ouvido, ou pela vista, ou pelo tacto, no mundo da matéria, mas é uma certeza, não do pensamento mental, mas da experiência essencial. Quando a Paz de Deus desce sobre você, quando a Presença Divina se faz sentir dentro de você, quando a Ananda* se precipita sobre você como um mar, quando você é levado como uma folha ao vento pelo sopro da Força Divina, quando o Amor desabrocha e flui de você sobre toda criação, quando o Divino conhecimento inunda-o como uma luz que ilumina e transforma num momento tudo que antes era sombrio, triste e obscuro, quando tudo o que é, se torna parte da Realidade única, quando a Realidade é tudo à sua volta,você sente, de repente, pelo contacto espiritual, pela visão interior, e mesmo pelo próprio físico, em todo lugar, você vê, ouve e toca apenas o Divino. Então você pode muito menos duvidar Dele ou negá-lo do que poderia negar ou duvidar da luz do dia ou do ar ou do sol no céu - porque destas coisas físicas você não pode ter certeza, porque elas são o que seussentidos lhas representam ser; porém nas experiências concretas do Divino, a dúvida é impossível.
Quanto à permanência, você não pode esperar, desde o começo, permanência de experiências espirituais iniciais somente uns poucos as têm e mesmo para eles a alta intensidade não está sempre presente; para a maioria, a experiência vem e se retira para detrás do véu, esperando que a parte humana esteja preparada e pronta para suportar e reter seu crescimento e sua subsequente permanência. Porém, duvidar dela por essa razão seria irracional ao extremo. Não se duvida da existência do ar porque um vento forte não estásempre soprando ou da luz do sol porque a noite intervém sobre a aurora e o crepúsculo. A dificuldade reside na consciência humana normal para a qual a experiência espiritual vem como algo anormal e é de fato supra normal. Esta débil normalidade limitada, a princípio, acha até mesmo difícil conseguir algum toque desta experiência supra normal maior e mais intensa; ou ela a consegue diluída em seu próprio estofo embotado da experiência mental ouvital, e quando a experiência espiritual vem realmente, em seu próprio poder esmagador, muitas vezes ela não a pode suportar ou quando o consegue, não a pode conservar e guardar. Contudo, se uma brecha tiver sido feita nas paredes construídas pela mente contra o Infinito, a brecha se alarga, às vezes vagarosamente, às vezes rapidamente, até não existir mais parede alguma e se estabelecer a permanência.
Texto extraído do inspirado livro “Sabedoria de Sry Aurobindo” – Editora Shakti.
Colcado por Wagner Borges em www.ippb.org.br
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