quinta-feira, abril 29, 2010

O Livro das Horas


5.
(…)

Estão entregues a centenas de supliciadores tais,
e, agredidas pelo bater de cada hora passada,
circulam solitárias em torno de hospitais
esperando cheias de medo o dia da entrada.
Aí está a morte. Não aquela cujo cumprimento
na infância estranhamente as tocou,
a pequena morte, como ali se designou;
a sua própria morte está nelas como um fruto que passou
verde e sem doçura, sem amadurecimento.

6.

Senhor, dá a cada um a sua própria morte.
Morrer que venha dessa vida
durante a qual amou, sentido encontrou, teve má sorte.

7.

Porque nós somos apenas a casca e a folha.
A grande morte, que cada um em si traz,
é o fruto à volta do qual tudo gira.

(…)


28.

Pois vê: hão-de viver e multiplicar-se em festa
e não serão submetidos à temporalidade
e hão-de crescer como as bagas da floresta
e abrigar o solo com suavidade.
Pois felizes são os que nunca se afastaram
e silenciosos à chuva e sem tecto ficaram;
até eles chegarão todas as colheitas
e o seu fruto será pleno multiplicando receitas.
A todos os finais hão-de sobreviver
e aos reinos cujo sentido vai desaparecer,
e como mãos descansadas se hão-de erguer
quando as mãos de todas as classes da sociedade
e de todos os povos cansadas estiverem de verdade.


O Livro de Horas
(Terceiro Livro: O Livro da Pobreza e da Morte)
Rainer Maria Rilke

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